Língua Fora

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Língua Fora

por/by Inés Terra

 

Língua Fora é uma série de apresentações com foco em trabalhos artísticos que investigam a potência das vozes para além da palavra, e em intersecção com tecnologias analógicas e digitais e outras sonoridades.

A língua é uma máquina articuladora de palavras, cantos e ruídos que emergem em corpos em vibração e relação. Língua Fora acorda no meio de um sonho e, numa gargalhada, chora a tragédia cotidiana através de um gesto, facilitando a saída de alguma memória, algum objeto, pássaro ou inseto pela garganta. Língua Fora é a possibilidade de encarnar a linguagem, sem dispensá-la, mas dissolvendo a mesma numa descoberta de prazeres e aflições vocais e bocais.

A proposta da série é apresentar uma cena de artistas que pesquisam as possibilidades das vozes, entendendo que cada voz possui inúmeros tipos de emissão de sonoridades e gestos. Esses trabalhos vocais muitas vezes recorrem ao auxílio de filtros analógicos e/ou digitais, vozes em companhia de outros instrumentos e/ou na junção de outros sons pré-gravados e processados em tempo real.

Cada edição apresenta três trabalhos artísticos. Muitxs dxs artistas convidadxs trabalham entre a música, as artes visuais, a dança e a improvisação como um modo de atravessar esses campos. Embora muitxs delxs tenham uma biografia ligada à música e à pesquisa de som, a intenção é receber artistas que pesquisam a potência das vozes em diferentes frentes: na pesquisa de sonoridades vocais sem acompanhamento, na interseção com o movimento, com a imagem, com tecnologias analógicas e digitais e com outros instrumentos. De modo geral, nessas práticas são valorizados sons da respiração e outros sons fisiológicos, diferentes modos de emissão vocal não cotidianos, como a emissão de sons ingressivos, e a emissão de dois ou mais sons vocais simultâneos; ruídos explorados a partir da língua, dos lábios, da saliva e do maxilar; sons dos componentes das palavras, prolongando fonemas e criando loops e células vocais em camadas; diferentes modos de cantar; o ruído das vozes, e milhões de outras possibilidades desenvolvidas durante a improvisação e nos processos de investigação artística de cada convidadx. O fato de ter três projetos por edição, não necessariamente conectados nas suas práticas, cria um encontro de públicos e, ao mesmo tempo, gera um acontecimento inédito, já que é proposta uma improvisação final entre xs artistas.

Língua Fora ("Tongue Out") is a series of performances focused on artistic practices that investigate the power of voice beyond the words, and in intersection with analog and digital technologies and other sonorities.

The tongue is an articulating machine of words, chants, and noises that emerge from bodies in vibration and relation. Língua Fora awakens amidst a dream and, in laughter, cries the everyday tragedy through a gesture, easing some memory, object, bird, or insect out through the throat. Língua Fora is the possibility of embodying language, without dismissing it but dissolving it in a discovery of vocal and mouth pleasures and afflictions.

The purpose of the series is to present a scene of artists researching the possibility of voices, understanding that each voice has countless ways of emitting sonorities and gestures. Such vocal works often resort to analog and/or digital filters, voices in company of other instruments and/or in connection with other pre-recorded sounds processed in real-time.

Each edition features three artistic works. Many of the invited artists work among music, visual arts, dance, and improvisation as a way of traversing these fields. Although many of them have a history connected to music and to the research of sound, the intention is to welcome artists who investigate the power of voice on different fronts: on the research of vocal sonorities without accompaniment, on the intersection with movement, image, analog and digital technologies, and with other instruments. In general, breathing sounds and other physiological sounds are appraised in these practices, as well as uncommon ways of voicing, such as the emission of ingressive sounds, and the emission of two or more simultaneous vocal sounds; noises explored from the tongue, lips, saliva, and jawbones; sounds from the components of words, prolonging phonemes and creating loops and vocal cells in layers; different ways of singing; the noises of voices, and tons of other possibilities developed throughout the improvisation and during the processes of artistic investigation of each person. The fact of having three projects per edition, not necessarily connected among each other, creates a gathering of audiences, and simultaneously generates an unforeseen event since it is proposed a final improvisation session among the artists.

Descobrir modos de vocalizar é também descobrir outros modos de se relacionar, modos de dizer o incomunicável, modos de transmitir experiências do corpo não nomeadas.

To discover ways of vocalizing also means to discover other ways of being in relation, saying the incommunicable, transmitting unnamed experiences of the body.

 

Sempre quis gerar um encontro para esses acontecimentos focados na investigação das vozes, como criadoras de espaços e corpos. Como performer vocal, sentia falta de mais lugares que acolhessem esse tipo de trabalho. Ao dizer "performer vocal", me refiro a uma prática que vai além do que se entende como canto erudito ou popular, e muitas vezes além das palavras. Porém, não se trata de excluir essas práticas, mas de ampliar a escuta de vocalidades, aprofundando a percepção das vozes cotidianas e assumindo a voz como instrumento (no sentido de pesquisar o leque imenso de possibilidades sonoras e expressivas que ela possui), e de estar sempre à procura de outros imaginários vocais. A performance vocal como uma possível linguagem artística que é atravessada por diferentes áreas de conhecimento e realidades, habilitando modos de dizer em processo de descoberta.

Ao existir uma série com uma certa continuidade, poderiam acontecer encontros entre diferentes perspectivas, e xs artistas interessadxs se sentiriam acolhidxs para mostrar seus trabalhos autorais e suas experimentações. Desta maneira, a série Língua Fora surge como um laboratório de ideias, recebendo também performances curtas e em processo de criação. É fundamental destacar que nada disso aconteceria sem o olhar da Editora Leviatã, que constitui um espaço e um grupo de pessoas que estão constantemente pensando em como realizar colaborações com outrxs artistas, de maneira atenta e instigante, potencializando ideias e desejos. Iago Mati, Natasha Xavier, Amanda Obara e Renan Gama são xs artistas que trabalharam comigo desde o começo desse projeto.

I have always wanted to provoke encounters for these events focused on the research of voices as creators of spaces and bodies. As a vocal performer, I missed more places that welcomed this kind of work. By "vocal performer", I mean a practice that goes beyond what is understood as classical or popular singing, and many times beyond the words. However, it is not about leaving out these practices, but expanding the listening of vocalities, delving into the perception of everyday voices, and assuming the voice as an instrument (in the sense of investigating the wide range of sonorous and expressive possibilities it has), and remaining in search of other vocal imageries. Vocal performance as a possible artistic language that is traversed by different fields of knowledge and realities, enabling ways of saying in process of discovery.

When there is this series taking place continuously, meetings between different perspectives could happen, and the artists would feel welcomed to show their original works and experiments. In this way, Língua Fora appears as a laboratory of ideas, featuring also short performances and performances in the process of creation. It is essential to highlight that none of this would have happened without Leviatã, which is both a space and a group of people who are constantly thinking of how to create collaborations with other artists, attentively and thought-provoking, strengthening ideas and desires. Iago Mati, Natasha Xavier, Amanda Obara and Renan Gama are the artists who have worked with me since the beginning of the series.

 
 

Tudo começa a partir do convite inicial de Natasha e Iago para eu organizar algum evento em parceria com a editora, mas, ainda no começo de abril de 2019, não tinha configurado como seria esse série, nem o título dela. Como o prazo para organizar a primeira edição era curto, virei uma noite pensando no texto de apresentação e, a partir dele, surgiu o nome: Língua Fora. Percebi que Língua Fora é uma espécie de brecha na linguagem verbal, um modo de dizer errado.

E me interessa colocar em questão as formas como cada corpo se apropria da língua, enquanto linguagem e músculo, e, ao mesmo tempo, permitir que outras urgências vocais sejam apresentadas, entendendo que o modo como vocalizamos é um traço importante da subjetividade e dos questionamentos que podemos realizar aos contínuos processos de adequação dos corpos nas sociedades que conhecemos. Seria uma forma de transcender a linguagem verbal, mastigá-la, ruminar o verbo, escutar as vozes como traços do tempo, e não só a partir do que elas aparentemente enunciam. Ao mesmo tempo, Língua Fora carrega um gesto de rebeldia, de exaustão, uma maneira de exteriorizar o íntimo e o visceral.

Inicialmente, na minha experiência, associei Língua Fora ao processo lento de adaptação de uma língua (espanhol) para a outra (português), quando mudei de país e passei a pensar, falar e sonhar em português. Esse processo envolve o entendimento de novos sentimentos, perspectivas, relações e, principalmente, de um novo eu associado a um novo contexto. Ao mesmo tempo, Língua Fora abria um espaço para a improvisação vocal, que foi sempre uma das minhas paixões como cantora, tanto no campo da canção como fora dela.

Logo entendi que cada pessoa tem uma percepção diferente do que Língua Fora pode ser, que cada edição carrega uma nova abordagem e que isso é o mais importante. Pensar a voz como um modo de caminhar, correr, dançar e lutar. Escutar e observar como isso acontece em corpos diferentes, em intersecção e processamento com outros materiais, vozes e espécies. E nesse percurso, surgem algumas perguntas difíceis de responder, como: de que maneira são quebradas as expectativas do texto dos corpos? Como emerge o prazer a partir do som vocal e o mar da sua história? De que maneira as vozes esculpem os corpos, configurando as suas memórias e desejos?

It all started when Natasha and Iago invited me to organize an event in partnership with the publisher but still at the beginning of April 2019, I hadn't figured out how this series would be like, nor how it would be called. Since the deadline to hold the first edition was short, I spent a whole night thinking about the presentation text and from it came the name: Língua Fora. I realized that Língua Fora (“Tongue Out") was some kind of gap in verbal language, a wrong way of speaking.

It is interesting to me to call into question the ways that each body appropriates the tongue, as language and a muscle, and, simultaneously, to allow other vocal urgencies to be presented, understanding that the way one vocalizes is an important trait of subjectivity, and of the questions we can raise to the continuous adjustment processes of the bodies in the societies that we know of. It is a way to transcend verbal language, chew it, ruminate the verb, listen to the voices as traces of time, and not only from what they apparently enunciate. At the same time, Língua Fora carries a gesture of rebelliousness, exhaustion, a way of externalizing what is intimate and visceral.

Initially, in my experience, I associated Língua Fora to the slow process of adapting from one language (Spanish) to another (Portuguese), when I moved countries and began to think, speak and dream in Portuguese. This process involves the understanding of new feelings, perspectives, relations, and specially of a new "I" associated with a new context. At the same time, Língua Fora opened a space for vocal improvisation, which has always been one of my passions as a singer, be it in the universe of songs or out of it.

I then understood that each person has a different perception of what Língua Fora can be, that each edition brings a new approach and that this is what matters the most. To think of voice as a way of walking, running, dancing, and fighting. To listen and observe how that happens in different bodies, in intersection and processed with other materials, voices, and species. And along this journey, some hard-to-answer questions arose, such as: how can we break the expectations of the bodies’ text? How does pleasure emerge from the vocal sound and the sea of its story? How do voices sculpt the bodies, configuring their memories and desires?

 
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O primeiro Língua Fora aconteceu em abril de 2019. As artistas convidadas foram Flora Holderbaum, Marina Mapurunga e Lea Taragona. Lea estava em São Paulo por um período curto. Eu estava ensaiando o solo vocal "VEIA" e a convidei para trabalhar comigo essa performance: ela, no computador, eu, nas vozes. "VEIA" começou em 2017, como um exercício de imaginação sobre o fluxo sanguíneo, a partir da permanência em uma única frequência que muda de maneira inevitável por causa da assimetria do corpo e das circunstâncias. Logo soube que "VEIA" foi uma espécie de presságio. A fidelidade vai se perdendo, e deixo as interferências aparecerem, em um jogo de harmônicos e sonoridades gritantes que acabam gerando uma outra coisa. Lea foi gravando, acompanhando o percurso, relembrando as vozes que já passaram, alterando a velocidade das frases e abrindo caminhos no roteiro inicial com o processamento e a reprodução de algumas das vozes. Nessa primeira edição, Flora Holderbaum e Marina Mapurunga tocaram também violino acústico e elétrico, respectivamente. Marina também utilizou gravações de campo. A artista trouxe uma peça já apresentada em outras oportunidades: "Estafa Mental #1”. Durante a peça, Marina realiza movimentos com as costas e braços acompanhando a respiração, se afastando aos poucos do chão. Logo começa a vocalizar e tocar violino junto com a base. Ao longo da peça, utiliza alguns efeitos, como um vocoder de voz e diferentes delays. "Estafa Mental" chama a atenção pelo engajamento progressivo do corpo de Marina. À medida que a peça é desenvolvida e ganha um pico de tensão em sua intensidade e complexidade harmônica, o corpo aparece mais inquieto, mais afetado pelo som, e ao mesmo tempo gera intervenções inesperadas próprias da alteração da respiração e da improvisação. Flora Holderbaum apresentou "Preparar um Corpo”. A performance traz à tona a questão do gesto a partir da reflexão de que para toda e qualquer performance há uma preparação. Flora parece reiniciar o sistema (o próprio corpo e o violino) diversas vezes durante a performance, permanecendo pouco numa mesma ideia sonora, valorizando o ataque, a entrada, a chegada. Nesse processo, somos surpreendidxs com sonoridades mínimas entre o violino e a voz, perdendo a percepção da fonte do som. O percurso acontece de cima para baixo, do terraço para o primeiro andar da Leviatã. Até hoje, a única performance que utilizou o terraço no Língua Fora foi a de Holderbaum. Sua voz reverberou nos prédios ao redor, em breves gritos. Numa espécie de ato final que acontece na sala de baixo, Flora cobre a cara com um pano estampado e continua tocando violino. Houve um trajeto e uma preparação para começar tudo de novo. No final da primeira edição, improvisamos juntas: Flora Holderbaum no violino e na voz, Marina Mapurunga no violino, na voz e no computador, eu na voz e Lea Taragona no computador.

The first Língua Fora took place in April 2019 with the artists Flora Holderbaum, Marina Mapurunga and Lea Taragona. Lea was in São Paulo for a short period of time. I was rehearsing the vocal solo "VEIA" ("VEIN") and invited her to work in this performance with me: she, in the computer; I, in the vocals. "VEIA” started in 2017, as an exercise of imagination about blood flow, from the permanence in a single frequency that will inevitably change due to the asymmetry of the body and the circumstances. I soon learned that VEIA was some kind of presage. The fidelity is lost, and I allow interferences to appear, in a game of harmonics and glaring sonorities that end up generating something else. Lea was recording, following the course, remembering the voices that passed, changing the speed of sentences, and opening ways in the initial script by processing and reproducing some of the voices. In this first edition, Flora Holderbaum and Marina Mapurunga also played the acoustic and electric violin, respectively. Marina used field recordings as well. The artist performed a piece that had been presented in other opportunities: "Estafa Mental #1" ("Mental Fatigue #1"). During the performance, Marina makes movements with her back and arms following her breath, slowly pulling away from the floor. She soon starts to vocalize and play the violin along with the base. Throughout the piece, she uses some effects like a vocoder and different delays. "Estafa Mental” draws attention due to the progressive engagement of Marina's body. As the piece develops and achieves a peak of tension in its intensity and harmonic complexity, the body appears more restless, more affected by the sound, at the same time that it generates unexpected interventions typical of the change of breath and of improvisation. Flora Holderbaum presented "Preparar um Corpo" ("To Prepare a Body"). The performance brings up the issue of gesture from the reflection that for all performances there is a preparation. Flora seems to restart the system (of the body itself and the violin) several times during the performance, remaining little in the same sound idea, valuing the attack, the entrance, the arrival. In this process, we are surprised by minimal sounds between the violin and the voice, losing the perception of the source of the sound. The course happens from top to bottom, from the terrace to the first floor of Leviatã. Until today, the only performance to use the terrace at Língua Fora was Holderbaum's. Her voice reverberated in the neighboring buildings among short screams. In some kind of final act in the downstairs room, Flora covers her face with a patterned cloth and continues to play the violin. There was a route and a preparation to start everything all over again. At the end of the first edition, we improvised together: the violin and voice of Flora Holderbaum; the violin, voice, and computer of Marina Mapurunga; my voice, and the computer of Lea Taragona.

 
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Na segunda edição, em junho de 2019, convidei o artista Aquiles Guimarães e a artista sonora e performer Lilian Campesato. Aquiles acabava de lançar o álbum “A vida dos nossos animais” (2019), pelo selo Seminal Records. A partir da pesquisa de vozes de animais, e de animais tocando instrumentos, o artista coletou diversos vídeos e desenvolveu faixas processando as vozes e criando novas composições com alguns motivos apresentados nos vídeos. Lilian trouxe duas peças da sua autoria: "Fedra" (2014) e "Eleonora" (2014-2019). As duas composições foram apresentadas na interseção de uma base gravada e da voz ao vivo. No caso de "Eleonora", tinha um processo composicional anterior à performance, tendo trabalhado a partir de um moteto do século XVI atribuído à Eleonora D’est, princesa, freira e musicista. "Fedra", uma peça que a artista apresentou em diversas ocasiões, trabalha com os limites da inspiração e a expiração, evidenciando o íntimo e o gutural. Nessa mesma edição também apresentei um trabalho. Elaborei uma performance onde também trabalhei no computador, com gravação e processamento das vozes ao vivo.

In the second edition, in June 2019, I invited the artist Aquiles Guimarães and the sound artist and performer Lilian Campesato. Aquiles had just released his album "A vida dos nossos animais" ("The life of our animals") (2019) through the record label Seminal Records. From researching voices of animals, and animals playing instruments, the artist collected a series of videos and developed tracks processing these voices and creating new compositions with some of the motives presented in the images. Lilian brought two pieces of her own ownership: "Fedra" (2014) and "Eleonora" (2014-2019). Both compositions were presented in an intersection of a recorded base and the live voice. In the case of "Eleonora", there was a compositional process before the performance, having worked from a motet from the 16th century attributed to Eleonora D'est, a princess, nun and musician. Presented by the artist on several occasions, "Fedra" works with the limits of inspiration and expiration, showing the intimate and the guttural. In this edition, I also presented a work. I developed a performance in which I also worked on the computer, recording and processing the voices live.

 
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Língua Fora #3, em setembro de 2019, foi a edição com mais propostas. Ao propor também uma performance com o público no final, muitas pessoas se interessaram em participar. Tinha a intenção de convidar o corpo de quem acompanha e assiste as performances a conhecer um pouco do que o Língua Fora pode ser. Para isso, convidei Romulo Alexis e a Máquina Vocal. Romulo é trompetista e cantor, improvisador, integrante do duo Radio Diaspora, e também trabalha com alguns procedimentos para gerar uma experiência coral de vozes abertas à experimentação. Não é preciso ser musicista ou cantar para participar, mas entender que todo corpo possui a capacidade de improvisar com a voz a partir de algumas diretrizes muito simples. Antes da Máquina Vocal, apresentaram xs artistas Barulho Max e Stenio Biazón, e Romulo e eu improvisamos juntos. Barulho Max, luthier e improvisador, criou um ambiente a partir de gravações ao vivo com pedais e instrumentos que ele mesmo constrói. Stenio tocou guitarra elétrica e trouxe uma performance que combinou microfonias, distorções e diferentes tipos de gritos e expressões guturais. Romulo (trompete e voz) e eu (voz) improvisamos juntos pela primeira vez, explorando momentos harmônicos e outros mais ruidosos, fusionando os sopros e sincronizando aos poucos as nossas respirações. Na Máquina Vocal, a sala da Leviatã ficou cheia e ressonante de vozes que estavam lá pela primeira vez.

Língua Fora #3, in September 2019, was the edition with the most presentations. By also proposing a performance with the audience at the end, many people were interested in participating. I had the intention of inviting the bodies of those who follow and watch the performances to experience a little of what Língua Fora can be. For that, I invited Romulo Alexis and Máquina Vocal. Romulo is a trumpeter, singer, improviser, member of the duo Radio Diaspora, and also works with some procedures to generate a choir of voices open to experimentation. You don't have to be a musician or singer to participate, but understand that all bodies have the ability to improvise with the voice after very simple guidelines. Before Máquina Vocal, the artists Barulho Max and Stenio Biazón performed, and Romulo and I improvised together. The luthier and improviser Barulho Max created an atmosphere from live recordings with pedals and instruments that he builds himself. Stenio played the electric guitar and put on a performance combining microphony, distortions, and different screams and guttural expressions. Romulo (trumpet and voice) and I (voice) improvised together for the first time, exploring harmonic and noisier moments, fusing the winds and synching little by little our breathing. In Máquina Vocal, the room of Leviatã went full of resonating voices that were there for the first time.

 
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No Língua Fora #4, em novembro de 2019, Natasha Xavier apresentou pela primeira vez um set de vozes com pedais e objetos que friccionava no chão da Leviatã, amplificando a relação entre os objetos de múltiplas sonoridades. Mariana Maia trouxe uma série de poemas visuais que performou ao vivo com projeções, visitando as vozes de “uma mulher não sabe que voa”. Paola Ribeiro apresentou junto com Érico Cruz (computador) a performance "Fagia”, em um processo de acumulação de palavras e cantos, projetando um vídeo que havia sido previamente gravado na editora. O vídeo mostrava a artista entrando em contato com o espaço pela primeira vez, percorrendo cada superfície, através do movimento do corpo e da ressonância das vozes, criando uma relação íntima com a arquitetura da Leviatã. No final, as artistas improvisaram juntas. Foi como se elas tivessem ensaiado ou bebido do mesmo copo. Foi a primeira vez que não apresentei junto com xs convidadxs. Foi muito importante ver a dimensão que o evento tinha tomado, o que cada artista explora a partir desse convite, e como as práticas se tensionam em uma experiência única quando se encontram.

In Língua Fora #4, in November 2019, Natasha Xavier presented for the first time a set of voices with pedals and objects that she rubbed on the floor of Leviatã, amplifying the relationship between the objects of multiple sounds. Mariana Maia brought a series of visual poems that she performed live with projections, visiting the voices of "a woman doesn't know she flies." Paola Ribeiro presented the performance "Fagia" together with Érico Cruz (computer), in a process of accumulating voices and chants, and projecting a video that had been previously recorded at Leviatã. The video showed the artist coming into contact with the room for the first time, going over every surface through the movement of the body and the resonance of the voices, creating an intimate relationship with the architecture of the space. In the end, the artists improvised together. It was as if they had rehearsed before or drunk from the same source. It was the first time I didn't present together with the artists. It was very important to see the dimensions that the event had taken, what each artist explores from that invitation, and how the practices are tensioned in a unique experience when they collide.

 
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Língua Fora #5 aconteceu no dia sete de março de 2020. Foi a primeira edição do ano na Leviatã, antes do processo de isolamento social, provocado pela pandemia da Covid-19. Foram convidadxs Isabel Nogueira, Maria Basulto e Chico Lauridsen. Chico Lauridsen fez um solo vocal, alternando efeitos da acústica da sala com a voz amplificada. Foram pequenas peças interligadas, alimentadas por um poema que foi entregue para o público no início: "É noite na floresta de dentes”. No trânsito entre diversas emoções de um corpo que no início se encontra totalmente coberto, embaixo de um pano azul, a performance intimista de Chico abriu a noite para outras formas de presença serem possíveis. Maria Basulto apresentou "Dentro", uma dança conduzida pela ansiedade e inquietude. Ao longo da performance, uma melodia vai sendo afetada pelos estados físicos de Maria, cujo corpo é puxado da cadeira por uma força inevitável que é criada quando nos sentamos em círculo. A melodia vai se deformando e aparecem outras vozes, como se Maria incorporasse outros modos de dizer aquilo que foi inicialmente pensado. Isabel Nogueira fez uma performance audiovisual com sintetizadores, vozes gravadas e ao vivo, e teve como convidado o Luciano Zanatta, no sax. Foi uma performance cheia de timbres e ritmos, alternando vozes faladas que apontam para a memória biográfica, mantras e vocalizações improvisadas, desenhadas em tempo real junto com as imagens projetadas.

Língua Fora #5 was on March 7th, 2020. It was the first edition of the year at Leviatã before the social isolation protocol began due to the pandemics of the Covid-19. The artists invited were Isabel Nogueira, Maria Basulto, and Chico Lauridsen. Chico Lauridsen performed a vocal solo alternating acoustic effects of the room with the amplified voice. They were small intertwined pieces, fed by a poem that was handed out to the audience in the beginning of the performance: "É noite na floresta de dentes" ("It's night in the forest of teeth"). In the transit between different emotions of a body completely covered at first, under a blue cloth, Chico's intimist performance opens the night for other kinds of presence to be made possible. Maria Basulto presented "Dentro" (“Inside"), a dance driven by anxiety and restlessness. Throughout the performance, a melody is affected by Maria's physical states, whose body is pulled from the chair by an inevitable force that is created when we sat in a circle. This melody is deformed, and other voices show up as if Maria incorporated other means of saying what was initially thought. Isabel Nogueira did an audiovisual performance with synthesizers, recorded and live voices, and had Luciano Zanatta as her guest on the saxophone. It was a performance full of timbres and rhythms, alternating spoken voices that pointed​ to ​a ​biographical memory, mantras​,​ and improvised vocalizations, drawn in real time along with the images projected.

 
 

Em janeiro de 2020, realizei uma edição especial do Língua Fora em Buenos Aires, Argentina, no espacio UTAKI, espaço de investigação artística dirigido pela escritora e dramaturga Luz Pearson em parceria com a companhia de Magy Ganiko. Fazia dez anos que eu não apresentava na Argentina. Convidei para estar comigo nessa edição o duo de Ivonneth Rosero (voz e movimento) e Cecilia Quinteros (cello) e a artista Lara Alarcón (voz e eletrônicos), que apresentou uma performance com a artista Felicitas Sisti (luz). Para cada performance, houve uma configuração diferente do espaço. No final do evento, também improvisamos juntas, sem amplificação, aproveitando a acústica do Utaki. Utaki acolheu o projeto com muito cuidado. Cada uma das pessoas da companhia teve uma função importante nessa noite, seja na organização do espaço, na luz e no som, na comida que foi feita especialmente e na atenção em todos os momentos prévios e posteriores.

In January 2020, I organized a special edition of Língua Fora in Buenos Aires, Argentina, at Espacio Utaki, a venue for artistic investigation conducted by the writer and playwright Luz Pearson in partnership with Company Magy Ganiko. It had been ten years since I last performed in Argentina. To be with me in this edition, I invited the duo of Ivonneth Rosero (voice and movement) and Cecilia Quinteros (cello), and the artist Lara Alarcón (voice and electronics), who presented a performance with the artist Felicitas Sisti (light). For each performance, there was a different configuration of the space. At the end of the event, we also improvised together, with no amplification, making use of the acoustics at Utaki. Utaki welcomed the project very carefully. Each of the people played very important roles that evening, be it organizing the space, setting the light and sound, in the food that was specially made, and in the attention provided at all moments.

Língua Fora #UTAKI (Buenos Aires) • 10/01/2020 Inés Terra | Voz, computador e acessórios Ivonneth Rosero | Voz e movimento Cecilia Quinteros | Cello Lara Alarcón | Voz e eletrônicos Felicitas Isti | Luz Fotos Mariano Militello

Língua Fora #UTAKI (Buenos Aires) • 10/01/2020
Inés Terra | Voz, computador e acessórios
Ivonneth Rosero | Voz e movimento
Cecilia Quinteros | Cello
Lara Alarcón | Voz e eletrônicos
Felicitas Isti | Luz
Fotos Mariano Militello

 

Com o aumento exponencial de casos de Covid-19 em São Paulo, após alguns meses de isolamento social voluntário, decidimos realizar uma edição online. Pensei que seria interessante aproveitar a ocasião para convidar também artistas que não moram em São Paulo. Para a primeira edição online, convidei xs artistas Yantó, Yuri Bruscky e Lori Yonï para criarem vídeos que foram publicados em três dias consecutivos no IGTV, nos Instagrams do Língua Fora e da Leviatã, em junho de 2020.

After the exponential growth in cases of Covid-19 in São Paulo, after a few months in voluntary social isolation, we decided to have an online edition. I thought it would be interesting to take this as an opportunity to invite artists from outside of São Paulo. For this first online edition in June 2020, I invited the artists Yantó, Yuri Bruscky, and Lori Yonï to create videos that were published in three consecutive days on IGTV, in the Instagrams of Língua Fora and Leviatã.

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Desde março de 2020, indico um disco por semana através do Instagram do Língua Fora. Natasha Xavier realiza uma arte para cada uma das indicações semanais que divulgamos nos sábados. Este foi um modo de continuar conectando artistas que investigam a potência das vozes desde diferentes partes do mundo, principalmente do Brasil e latino-americanxs, também por meio das suas produções discográficas.

Since March 2020, I have been recommending one album per week through the Instagram of Língua Fora. Natasha Xavier creates a design for each of the weekly recommendations, posted every Saturday. This was a way to continue to connect artists who investigate the power of voices from different parts of the globe, especially from Brazil and Latin America, also through their own record productions.

 
 

Após a primeira série de edições do Língua Fora, realizadas em parceria com a Editora Leviatã e com Utaki em sua edição especial em Buenos Aires, percebo a importância de encontros entre artistas e linguagens quando o assunto são as vozes. Seria impossível desenhar com precisão o que aconteceu em cada edição, considerando a importância do público e do espaço, das circunstâncias de cada noite, da relação entre xs artistas, e da bagagem de todxs elxs. Podemos registrar os encontros, mas nunca capturá-los. As vozes, como corpos e projeções entre o dentro e o fora, carregam a efemeridade e a potência do instante, do dito e do não dito, das marcas que ficam gravadas em cada pessoa ao longo do tempo, e dos desejos de trânsito nos processos de criação artística. De algum modo, a performance vocal engaja de maneira imediata quem está presente. Mesmo quando se trata de vozes gravadas. Mesmo quando se trata de vozes de outros animais.

A voz se encontra sempre em relação, procura reciprocidade, busca atingir outros corpos na sua pulsão inicial, e nessa experiência acaba também por modificar o próprio corpo. Essa espécie de mutação é um modo de habitar o corpo de outras maneiras, através da reverberação interna de sons.

No entanto, através da exploração vocal, é possível acessar a nossa história, os nossos medos e desejos, os nossos maiores prazeres e aflições, abrindo caminhos que muitas vezes são difíceis de assumir, como se fossem um ponto em que ficamos em pé olhando para o precipício. E quando decidimos embarcar nesse abismo, as vozes emergem como acontece com as cores com cada nuance de luz.

After the first series of editions of Língua Fora, held in partnership with Editora Leviatã and Utaki in its special edition in Buenos Aires, I realize the importance of these meetings among artists and languages when it comes to voices. It would be impossible to describe with accuracy what happened in each edition, considering the importance of the audience and the space, the circumstances of each evening, the relationship among the artists, and the experience of all of them. We can register the encounters but never capture them. Voices, like bodies and projections between the inside and the outside, carry the impermanence and power of the instant, the said and the unsaid, the marks that become engraved in each person over time, and of the transit desires in the processes of artistic creation. Somehow, vocal performances immediately engage who is in the room. Even when it comes to recorded voices. Even when it comes to the voices of other animals.

The voice is always in relation, seeking reciprocity, aiming to reach other bodies in its initial push, and in this experience, it also ends up modifying the body itself. This kind of mutation is a way of inhabiting the body in other ways, through the internal reverberation of sounds.

However, through vocal exploration, it is possible to access our history, our fears​​ and desires, our greatest pleasures and afflictions, opening paths that are often difficult to take as if they were a point from which we stand staring into the precipice. And when we decide to embark on that abyss, the voices emerge as colors do with each nuance of light.

 

Foto: Caetano Tola

Foto: Caetano Tola

Inés Terra é cantora, improvisadora, compositora e perfomer. Trabalha entre linguagens por meio da exploração vocal como um cruzamento nos processos de criação. Idealizou a série de performance vocal Língua Fora e o curso Esculpir a Voz. Seus principais trabalhos são: "Una mirada desde la alcantarilla" (2016, performance vocal); Voracidades (2017, Instalação Sonora); o álbum audiovisual Ruminar (2020, Editora Leviatã) com Iago Mati, e o disco Teia (2020, RKZ Records), com Julia Teles.
http://cargocollective.com/inesterra

Inés Terra is an Argentine/Brazilian singer, improviser, composer and performer. She works between languages through vocal exploration as a connection within creation processes . She created the vocal performance series Língua Fora and the course Esculpir a Voz. Some of her main works are: Una mirada desde la alcantarilla (2016, vocal performance); Voracidades (2017, sound installation); the audiovisual album Ruminar (2020, Editora Leviatã) with Iago Mati, and the album Teia (2020, RKZ Records) with Julia Teles.


Articulação (Articulation) Inés Terra
Editor Iago Mati
Redatora/Produtora (Writer/Producer) Amanda Obara
Operador de áudio/Produtor (Sound operator/Producer) Renan Gama
Designer/Produtora (Designer/Producer) Natasha Xavier
Fotos (Photos) Allis Bezerra


 

Língua Fora #1 25/04/2019
Marina Mapurunga
— Estafa mental #1
Violino, voz, computador e gravação de campo
Inés Terra e Lea Taragona — Veia
Fluxos sanguíneos, voz, caminhos sinuosos do corpo vocal
Flora Holderbaum — Preparar um corpo
Violino, voz e movimento

 

Língua Fora #2 07/06/2019
Aquiles Guimarães — Entre(m) os animais
Efeitos, sobreposições e cortes
Inés Terra — You are here for nothing
Voz e computador
Lilian Campesato — Eleonora (2017-19) 14’
Fedra (2014) 6'33
"
Voz e computador

 

Língua Fora #3 19/09/2019
Barulho Max
Objetos e voz
Romulo Alexis e Inés Terra
Trompete e voz
Stênio Biazon
Guitarra e voz
Romulo Alexis — Máquina Vocal
Voz

 

Língua Fora #4 09/11/2019
Mariana Maia — (Parte d)o Eco do Voo da Mariposa
Projeção e voz
Natasha Xavier — Sopro
Objetos e voz
Paola Ribeiro com Érico Cruz — Fagia
Projeção e voz


 

Língua Fora #5 07/03/2020
Maria Basulto — Dentro
Voz e movimento
Chico Lauridsen — É noite na floresta de dentes
Voz
Isabel Nogueira
Voz, projeção e efeitos

 

Língua Fora #6 (Online) 23/06/2020
Yuri Bruscky — Trava língua nº 4
Lori Yonï — Branot
Yantó — Miss the sea

 

Língua Fora #7 (Online) 10/11/2020
Lara Alarcón — VQ
Chico Lauridsen — Parciais
Lea Taragona (Dibuk) — Clarabóia

 

Língua Fora #8 (Online)
EM BREVE


 

Língua Fora #UTAKI (Buenos Aires) 10/01/2020
Inés Terra
Voz
Ivonneth Rosero
Voz e movimento
Cecilia Quinteros
Cello
Lara Alarcón
Voz e eletrônicos
Felicitas Sisti
Luz

 

Língua Fora #INDEX 14/12/2019
Inés Terra e Juçara Marçal
Voz
Teia — Inés Terra e Julia Teles
Voz e theremin
Mariana Carvalho
Ventilarpa e voz

 
 

Língua Fora no festival INDEX • 14/12/2019 Inés Terra e Juçara Marçal | Voz Teia | Inés Terra e Julia Teles | Voz e theremin  Mariana Carvalho | Ventilarpa e voz

Língua Fora no festival INDEX • 14/12/2019
Inés Terra e Juçara Marçal | Voz
Teia | Inés Terra e Julia Teles | Voz e theremin
Mariana Carvalho | Ventilarpa e voz

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